Dorsal Atlântica

Dorsal Atlantica

SOURCE – Pandemia é o álbum que mais expressa a brasilidade do grupo?

Carlos Lopes (Guitarras, Vocais) – Pandemia é tão brasileiro quanto Canudos, mas musicalmente é mais agressivo. E cada álbum não nasce para ser um produto de mercado. São arte e reflexão. Há funções e missões diferentes. Imagine cada um dos trabalhos como uma crônica de um momento, de uma visão de mundo. Muitas melodias de Pandemia nasceram de cantos de escravos, e cantigas de roda mas raramente o ouvinte percebe. Mas todos percebem que gravei o álbum com uma guitarra baiana porque isso está no plano do visível, além do estético e do filosófico. E optar pelo Brasil é um ato revolucionário. Muito mais do que parece. O metal é um “movimento” colonizado e globalizado, e o metal brasileiro já devia ser mais brasileiro há décadas mas a pressão cultural e econômica é enorme, eu entendo, mas é claro que isso não é desculpa.

Pandemia nasceu para ser mais um divisor de águas musical impelido por uma missão espiritual no plano consciencial.

Sem deixar de acrescentar que a banda só retornou para se apresentar ao vivo por uma sequência de fatores, mas principalmente pelo Pandemia.

SOURCE – Na sua opinião, musicalmente Pandemia está mais próximo de qual álbum da banda?

Carlos Lopes (Guitarras, Vocais) – Pandemia é irmão de Canudos, álbum onde de fato compus música brasileira para a Dorsal. Sempre houve elementos brasileiros, nem sempre perceptíveis de cara. O mais significativo deles, e pouco percebido é a métrica das melodias, mas em Canudos as melodias são totalmente decolonizadas e foi a primeira vez que gravei com a guitarra baiana. Para que a questão da melodia fique mais clara, aconselho a regravação de Liberdade, faixa de Canudos, pela dupla de viola Moda de Rock.

Desde o álbum 2012 as temáticas que sempre foram politizadas, focaram cada vez mais no Brasil e na compreensão de nossa sociedade. Assim como havia feito nas óperas Searching for the Light e Alea Jacta Est dos anos 1990, os 4 últimos trabalhos (2012, Imperium, Canudos e Pandemia) são interconectados. Por exemplo, o escritor Euclides da Cunha está presente nesses 4 álbuns. E Euclides é um dos nossos grandes exemplos de quem muda ao se deparar com a realidade.

SOURCE – Os discos do Dorsal Atlântica estão presentes em vários canais tercerizados do You Tube. Você pensa em retirar esses conteúdos do ar e disponibilizá-los de outra forma? A Dorsal Atlântica tem estado quase indisponível nas plataformas de Streaming. Qual a posição da banda sobre o assunto?

Carlos Lopes (Guitarras, Vocais) – Não disponibilizar o repertório é uma posição muito refletida e não é por acaso. Há muitos anos penso em disponibilizar o material nas plataformas, mas acabo não fazendo por várias razões. Muitos me dizem “você está perdendo dinheiro”. Sim, estou perdendo, mas tudo tem seu tempo e sua hora. Quanto à pirataria ela tem sua função mas no caso de artistas brasileiros como eu que não são pagos corretamente pela execução, a pirataria ajuda a destruir a banda.

SOURCE – Em grande parte da carreira, a banda foi marcada por letras expressivas. Assumir frontalmente uma postura de esquerda gera retaliações a recepção do material da banda?

Carlos Lopes (Guitarras, Vocais) – Fundei a banda durante a ditadura para combatê-la. Sempre disse isso em entrevistas desde o início dos anos 1980. Muitos leram e não entenderam a proposta e as letras durante décadas. O Ultimatum e o Antes do Fim são contra o militarismo e a colonização principalmente estadunidense. Os discos seguintes, mais humanistas, as óperas-rock combatem o mesmo mal. Toda a obra tem sido assim há 42 anos. Não ter entendido isso é uma enorme dissociação cognitiva e negacionismo. Mas pelo menos desde 2013, e também devido à moda, ao momento político, e aos sucessivos golpes desde o Mensalão criou-se um ambiente entre muitos jovens em direção à direita radical, facções que nunca dialogam e só ofendem, que trocam livros por armas e reescrevem de forma tendenciosa a palavra liberdade (por acaso, nome de uma composição do CD Canudos). O meu radicalismo nunca foi burro mas vi muita ignorância no Rio na década de 1990 com bandas de black metal com músicos negros que louvavam a Noruega e músicos e fãs mestiços que odiavam a mestiçagem brasileira. Quer mais dissociação do que isso?

Que cada um viva no seu quadrado, mas que não invadam escolas para cometerem crimes e nem forcem a barra para impor o evangelismo e a escola sem partido. Sou espiritualista, sempre fui e eu mesmo escrevi músicas para questionar e refletir sobre a religião. Mas as mentiras, as parcialidades, o ódio e as fake news alimentam os corações dos iludidos e também dos que escolheram a ignorância e a intolerância como arma. Que todos saibam que nazismo é crime. Não se pode tudo por causa da liberdade de expressão.

Não assisto o que não quero, não ouço ou apoio produtos que considero inadequados. Não posso e nem devo mudar se sou incompreendido por minhas posições humanistas.

SOURCE – Nos últimos anos você tem externado a sua ligação com a região nordeste, especialmente com o estado de Pernambuco. Dia 13 de maio de 2023 vocês tocaram no Abril Pro Rock em 2023. Atualmente o que esse show representará para banda, nessa etapa da carreira?

Carlos Lopes (Guitarras, Vocais) – Minha relação com o festival e o Nordeste vem de outros tempos. Minha mãe nasceu em Olinda. E como um festival que tem nome de Abril ocorre em Maio e para a Dorsal, em 13 de maio, libertação dos escravos e Virgem de Fátima?

Muitos podem se impressionar ou até mesmo fazer pouco caso, mas assim é a vida. Ninguém é obrigado a acreditar em nada.

O produtor do festival me chama para tocar com a Dorsal há 20 anos mas tenho recusado por vários motivos. Porque tudo tem seu tempo. Antes da Dorsal voltar a tocar ao vivo em 2022 foram precisos dez anos de Mustang e Usina Le Blond e mais dez anos de financiamento coletivo para os lançamentos da banda desde 2012. Eu precisava desses 20 anos e também, simbolicamente, esperei que o meu filho comemorasse dez anos. Não penso em termos de carreira, a régua é filosófica.

Decidi acabar com a Dorsal após o festival Monsters of Rock em 1998 porque se prosseguisse teria que me adequar ao mercado e isso nunca fiz, como não faço até hoje. E só retornei paulatinamente e sempre com apoio público. Tocamos no Monsters graças às 35 mil assinaturas de apoiadores e nossos quatro últimos álbuns foram financiados por pessoas reais entre 2012 a 2022. Fomos apoiados por seres humanos, por gente e não por empresas.

E por fim, mas não finalmente é uma honra imensa ter sido brindado com o CD tributo Resistiremos apenas com bandas cearenses.

SOURCE – Obrigado pela atenção. Algo mais a ser acrescentado?

Carlos Lopes (Guitarras, Vocais) – Agradeço o apoio e compreensão. Procurem a banda em nossas redes, compareçam aos shows e adquiram materiais originais como CDs, LPs, quadrinhos e camisetas oficiais. Amém.

Contatos:

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